Observação: Escrevi este artigo para a Revista Vitae em novembro de 2021. Por qualquer motivo, em 2023, a revista já não se encontra mais online, então, para não perder o conteúdo e manter meu portfólio (salvo em PDF), postei aqui. Qualquer dúvida, por gentileza, entre em contacto. Boa leitura!


– Alô produção, é isso mesmo, gomas de drinks e vinho quente?
– É isso sim!!
– Ok! Então, vamos à elas…

Fonte: 123.rf.com

Gomas, Jelly (Bears, Beans, Fruits), Jujubas são alguns nomes que esse doce recebe em vários pontos geográficos, mas antes de falar sobre as diferentes gomas, dei um passo atrás para descobrir a história deste doce que a todos encanta em qualquer idade.

Para chegar à produção das gomas que conhecemos hoje, temos que voltar na timeline da origem das geleias, compotas e conservas de frutas. As diferenças entre elas resumem-se basicamente entre textura e método de produção. Ou seja, a compota contém pedaços de frutas (grandes, pequenos ou inteiros), a geleia requer um sumo de fruta com um agente ‘gelificante’ para deixar o produto mais consistente.

As conservas, assim como as compotas, são frutas reais conservadas em açúcar. Já a geleia depende da interação de três elementos: açúcar, ácido e pectina (fibra solúvel contida nas paredes celulares das plantas). A fruta possui todos eles, entretanto o fabricante adiciona sempre mais.

Alguns séculos atrás…

Fonte: 123.rf.com

… uma ampla gama de agentes ‘gelificantes‘ ou endurecedores era conhecida pelos cozinheiros medievais, já que o reino animal apresentava a gelatina na forma de caldo de carne, colágeno de peixe, entre outros. No reino vegetal, as plantas forneciam sumos ricos em pectina e vários tipos de gomas naturais.

Nos tempos pré-romanos já se fazia a geleia, quando a polpa da fruta era misturada com mel e especiarias, e levada a secar ao sol. No século I d. C., os gregos colocavam os marmelos descascados em potes com mel e após um ano, a fruta tinha se tornado macia como “vinho-mel”.

Esta compota grega era chamada de ‘melomeli’ (melo: maçã e meli: mel). Os romanos melhoraram a conserva cozinhando a fruta com mel e especiarias, selando os potes para que ficassem herméticos a que chamaram de ‘melimela’.

As técnicas de gelificação que tiveram início na antiguidade, migraram do Meio Oeste para a Europa através das Cruzadas e, desde então, essas técnicas evoluíram e receberam novas adaptações e ingredientes.

Cozinheiros do século XVI faziam a gelificação dos pratos salgados ou agridoces com os agentes derivados de animais, misturando com creme ou leite de amêndoas, açúcar, aromatizado com especiarias ou água de rosas. E sabe como eram conhecidos? Como cullis, gellys ou brawn.
Fonte: 123.rf.com

– Opa produção…
– O quê?
– Você disse gelly? Qualquer semelhança é mera coincidência?
– Claro que não!!
– Continuemos…

A maioria desses doces de frutas estava disponível em duas formas: molhados e imersos numa calda, guardados em potes e consumidos à colher; ou, se se esperasse um pouco mais, com garfo; ou secos, tanto em grânulos quanto em lascas, cobertos de açúcar e guardados em caixas entre folhas de papel bem grossas.

No século XVII, o açúcar da cana era mais acessível e conservar as frutas com açúcar era uma opção viável financeiramente, já que as receitas que utilizavam mel no seu preparo foram adaptadas para esse ingrediente.

É possível que a técnica de fazer as marmeladas e outras conservas, fervendo quantidades iguais de polpa de fruta e açúcar em água, tenha sido herdada do Levante (geograficamente estende-se do Médio Oriente ao sul dos Montes Tauro, sendo esse o sul da Turquia), onde os confeiteiros eram especialistas em fundir frutas com açúcar (devidoao gelado).

Aliás, um dos seus principais ingredientes era o xarope de doce de açúcar. Curiosidade: um visitante descreveu o sabor do gelado turco como um tipo de pasta de frutas.

Mas por quê os marmelos?

Fonte: 123.rf.com/Conquiste sua Vida

Pelo alto teor de pectina, quando cozidos, a textura ficava muito mais sólida (comparado com outras frutas), por isso o marmelo era o favorito para conservar. Hoje a geleia é um produto parecido com a compota, por exemplo, de laranja: com açúcar, semilíquido e salpicado com tiras da própria casca.

Entretanto, o produto deriva da marmelada portuguesa medieval, uma pasta bem consistente que podia ser cortada ao invés de ser espalhada ou barrada no pão.

O termo marmelada acabou por se tornar muito usado para distinguir todos os tipos de conservas de frutas, não glutinosas e xaroposas como são hoje, mas firmes o bastante para serem transformados em doces individuais (marmelada de maçã, de figo, entre vários outros).

Jujubas ou Jelly Beans

Fonte: Vix.com/Nutrativa

No Brasil é muito comum chamar as gomas de jujuba, entretanto, tem um porquê esse nome:

Jujuba é uma árvore milenar cujo fruto possui propriedades medicinais, de casca vermelha escura, com formato de azeitona e flores amareladas.

A árvore jujuba crescia em grandes áreas do Velho Mundo, como China (árvore nativa), Índia, Egito e África. Seus residentes acreditavam que o fruto continha um alto valor nutritivo, bem como as tâmaras e os figos.

Os frutos da jujuba eram consumidos de várias formas, por exemplo, na China: em fruto seco, ou como um mingau doce (cozidos com milho ou arroz). Os doces feitos de jujuba realmente continham o seu sumo, inclusive eram usados para acalmar a tosse e aliviar a garganta.

O termo jujuba vem do inglês médio ‘iuiube’, que também se aplica às variedades de doces com sabor de frutas mastigáveis, no entanto, conforme o tempo foi passando, foram deixando de se assemelhar ao sabor do fruto da jujuba.

As jujubas pertencem à família culinária das geleias de frutas e são descendentes do doce Delícias Turcas, ou Turkish Delight, um doce de goma de frutas do Oriente Médio desde o século XVII.
Fonte: 123.rf.com

– Ooo produção?!
– Sim…
– As gomas que conhecemos hoje e que recebem vários nomes são ‘primas’ dessa delícia turca?
– Exatamente…

A Delícia Turca é um doce gelatinoso coberto com açúcar de confeiteiro (lembra que a Turquia era especialista em fundir fruta e açúcar?), então, os doces possuem várias cores e sabores. As receitas foram introduzidas na Europa com o retorno das Cruzadas e são os ascendentes de todas as ‘jellies’ que conhecemos hoje.

Comercialmente falando…

Fonte: 123.rf.com

Século XVIII – a primeira patente inglesa para a produção de gelatina foi concedida em 1754.

Século XIX – a gelatina seca e sem sabor tornou-se disponível na Escócia em 1842.

Estados Unidos:

Em 1845, o inventor da locomotiva a vapor, Peter Cooper, patenteou a gelatina ‘portátil’, sobremesa em pó que requer a adição de água quente.

Foi publicado num livro de receitas (para as donas de casa em 1879) que a geleia feita de origem animal podia ser mais trabalhosa na cozinha, entretanto, era muito mais saudável e nutritiva que as fórmulas desidratadas que haviam sido introduzidas no comércio.

Em 1889, surgiu a gelatina fosfatizada (com ácido fosfórico). A gelatina granulada abriu caminho para a imensidão de receitas americanas que ganharam popularidade em 1894.

Laura Mason, uma especialista britânica em confeitaria, credita aos americanos o desenvolvimento das jujubas (gomas ou jellies). Contudo, não há registro que afirme que tenham criado o primeiro ‘feijão de geleia’, ou seja, o famoso Jelly Beans!

Século XX – as vendas de jujubas eram extremamente baratas, cêntimos o kg, e em 1930, a sua popularidade ficou associada à Páscoa. A partir desse momento, a produção em massa aumentou e ficou mais barata, pois na parte externa, os doces receberam um glacê de ceras comestíveis e substituíram o xarope de açúcar pelo xarope de glicose. Então, essa evolução da gelatina deve-se aos americanos, que sempre pensaram na praticidade de tudo e em ‘gordices’ como ninguém. Da América para o mundo!

Fonte: 123.rf.com

– Ok, produção, entendi! Mas onde está a goma de vinho quente?
– Sabia que perguntaria…

As gomas gourmet – Made in Azeitão, Portugal

Há tantas marcas diferentes que embalam mais do mesmo, fiquei surpresa ao descobrir que existem outros tipos de gomas: a de chá e a alcoólica.

Fonte: Place du Thé
Conversei com Dora Ribeiro, proprietária do Place du Thé, que se especializou em chás após um longo percurso numa multinacional de automóveis. Para ela a vida não podia ser tão stressante e a sua paixão por chás levou-a para um caminho muito mais leve, prazeroso, descontraído e totalmente novo.

Place du Thé veio com a missão de mostrar que o chá não é uma bebida somente para enfermidades ou má disposições. Da mesma maneira que degustamos um bom vinho, é possível fazer o mesmo com o chá.

Place du Thé lançou uma gama de chás gourmet com sabores exóticos para atiçar as papilas gustativas e trazer vários benefícios ao corpo, afinal, são ervas naturais com propriedades ímpares.

Fonte: Place du Thé

Jelly Bear de chá e Bean alcoólico

Contudo, Dora não ficou apenas nas ervas tradicionais, ela apostou em algo inédito em terras portuguesas: chás em gomas, ou melhor, Jelly Bear de chá. Basta mergulhar um ou dois ursinhos numa chávena com água quente e esperar que se dissolva (para que saquinhos?).

É uma prática para o trabalho e para qualquer local ou ocasião, afinal, os ursinhos podem ser levados dentro da carteira! Há sabores de limão e gengibre, sabugueiro e ruibarbo, hortelã pimenta, laranja e canela, pêssego e limão, e framboesa e baunilha.

Fonte: Place du Thé

O lançamento aconteceu na LX Factory e logo conquistou holandeses e espanhóis. Um tempo depois, Dora apareceu com as gomas shots. Ou seja, gomas mastigáveis com onze por cento de álcool. Há de caipirinha, morangoska, whiskey cola, gin tónico, cuba libre, tequila sunrise e vinho quente.

Lembrando que são gomas de frutas com álcool, por isso, a venda só é permitida para maiores de idade. A venda é feita online tanto pelo site Place du Thé, quanto por e-mail ou pelas redes sociais (Facebook ou Instagram).

Há opções de coffrets se quiser presentear alguém especial, como por exemplo:

Fonte: Place du Thé
Qualquer que seja a intenção, há sempre uma razão para mastigar ou derreter um“ursinho”, ops, umas gomas!


Fontes: Oxford Companion to Food (1999, A. Davidson); Encyclopedia of Food and Culture (1999, J.F. Mariani); An A to Z of Food and Drink (2002, J. Ayto); Jell-O: A Biography (2001, C. Wyman); Sugar Plums and Sherbet: The Prehistory of Sweets (2004, L. Mason); Pickled, Potted and Canned: How the Art and Science of Food Preserving Changed the World, (S. Shepard); Encyclopedia of Food and Culture (2003, S.H. Katz); Sweets: A History of Temptation (2002, T. Richardson); Cambridge World History of Food (2000, K.F. Kiple & K.C. Ornelas); Nectar and Ambrosia: An Encyclopedia of Food in World Mythology (1999, T. Andrews).